sábado, fevereiro 11, 2012

Amantes

O marido está para fora, em trabalho, de modo que tem a tarde toda livre, sem os constrangimentos habituais. Vestiu-se com cuidados de amante, preocupada com todos os pormenores. Demorou uma eternidade a escolher a roupa, depois de ter ido ao cabeleireiro cortar o cabelo, arranjar as unhas. Leva uma saia azul-escura, uma camisa branca, sapatos que a fazem mais alta, mais segura de si. Sente-se atraente, feliz, com a expectativa de um dia diferente. Vai desligar o telemóvel, prometeu a si própria um dia diferente, como se fosse livre, como se ele fosse livre, como se não tivessem de ser secretos, vivessem um para o outro e não houvesse nada a separá-los.
Caminha pela rua, atenta às falhas na calçada, armadilhas para os saltos altos. Esconde os olhos atrás de uns grandes óculos de sol, para poder disfarçar no caso de se cruzar com alguém conhecido. Hoje não quer falar com ninguém, não quer lembrar-se de que não tem a vida que sonhou. Ainda gosta do marido, mas a paixão perdeu-se na rotina, o entusiasmo esfumou-se nos anos, nos projectos que ficaram pelo caminho. Em contrapartida, o homem que a espera consegue fazê-la sonhar. Ele é mais velho, advogado de sucesso, família exemplar. Ela gostava de ter filhos, gostava de ter um com ele. Ele já tem três. Gostava de o ter só para si, de recomeçar tudo a seu lado, de não o ter no segredo dos quartos de hotel.
Ele está sentado no balcão, no restaurante, a tomar uma bebida. Reservou uma mesa e dá uma vista de olhos na ementa enquanto espera que ela chegue. Tem uma inquietação latente, que vai crescendo de dia para dia, à medida que a vai conhecendo melhor e se sente mais preso a ela. No início era só uma mulher mais nova, bonita, nada de sério, mas agora ocupa-lhe o pensamento a cada momento. Precisa dela, precisa de fugir entre reuniões para os seus encontros furtivos.
Quando ela entra, ele levanta-se para a receber. Os olhos do restaurante viram-se para ela, mas não repara, concentrada nos dele, azuis, encantadores. Sorriem um ao outro. Estás à espera há muito tempo?, pergunta-lhe. Parece-me sempre muito tempo, responde ele.
Sentam-se à mesa, pedem vinho, ele espreita-a concentrada na ementa. É tão bonita, pensa, como se fosse uma oportunidade única de ser feliz novamente. Ama os filhos, mas o casamento tornou-se uma prisão. Ela surpreende-o a observá-la, sorri. Nesse instante vem-lhe à ideia uma certeza: um dia vou perdê-la e não poderei fazer nada para o evitar. Um dia, ela vai desinteressar-se do pouco que temos. Ela pressente-lhe uma preocupação e pergunta-lhe o que foi? Nada, diz ele, sorrindo para afastar a nuvem negra. Ela volta a baixar os olhos para a ementa, preocupada também, a pensar que um dia ele vai voltar para a mulher, para a família, vai esquecê-la. Estão apaixonados, felizes, mas a caminho de nada.


Tiago Rebelo

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