domingo, setembro 24, 2006

Pensamento da Semana


O mundo é de quem não sente.

A condição essencial para se ser um homem prático é a ausência de sensibilidade.

A qualidade principal na prática da vida é aquela qualidade que conduz à acção, isto é, a vontade.

Ora há duas coisas que estorvam a acção - a sensibilidade e o pensamento analítico, que não é, afinal, mais que o pensamento com sensibilidade.

Toda a acção é, por sua natureza, a projecção da personalidade sobre o mundo externo, e como o mundo externo é em grande e principal parte composto por entes humanos, segue que essa projecção da personalidade é essencialmente o atravessarmo-nos no caminho alheio, o estorvar, ferir e esmagar os outros, conforme o nosso modo de agir.

Para agir é, pois, preciso que nos não figuremos com facilidade as personalidades alheias, as suas dores e alegrias.

Quem simpatiza pára.

O homem de acção considera o mundo externo como composto exclusivamente de matéria inerte - ou inerte em si mesma, como uma pedra sobre que passa ou que afasta do caminho; ou inerte como um ente humano que, porque não lhe pôde resistir, tanto faz que fosse homem como pedra, pois, como à pedra, ou se afastou ou se passou por cima.


Fernando Pessoa, in 'O Livro do Desassossego'

domingo, setembro 17, 2006

Pensamento da Semana


Posso ter defeitos, viver ansioso e ficar irritado algumas vezes, mas não esqueço de que a minha vida é a maior empresa do mundo.

E que posso evitar que ela vá à falência.

Ser feliz é reconhecer que vale a pena viver, apesar de todos os desafios, incompreensões e períodos de crise.

Ser feliz é deixar de ser vítima dos problemas e se tornar um autor da própria história.

É atravessar desertos fora de si, mas ser capaz de encontrar um oásis no recôndito da sua alma.

É agradecer a Deus a cada manhã pelo milagre da vida.

Ser feliz é não ter medo dos próprios sentimentos.

É saber falar de si mesmo. É ter coragem para ouvir um "não". É ter segurança para receber uma crítica, mesmo que injusta.

Pedras no caminho? Guardo todas, um dia vou construir um castelo...


Fernando Pessoa

domingo, setembro 10, 2006

Pensamento da Semana


Damos festas, abandonamos as nossas famílias para vivermos sós no Canadá, batalhamos para escrever livros que não mudam o mundo apesar das nossas dádivas e dos nossos imensos esforços, das nossas absurdas esperanças.

Vivemos as nossas vidas, fazemos seja o que for que fazemos e depois dormimos: é tão simples e tão normal como isso.

Alguns atiram-se de janelas, ou afogam-se, ou tomam comprimidos; um número maior morre por acidente, e a maioria, a imensa maioria é lentamente devorada por alguma doença ou, com muita sorte, pelo próprio tempo.

Há apenas uma consolação: uma hora aqui ou ali em que as nossas vidas parecem, contra todas as probabilidades e expectativas, abrir-se de repente e dar-nos tudo quanto jamais imaginámos, embora todos, excepto as crianças (e talvez até elas), saibamos que a estas horas se seguirão inevitavelmente outras, muito mais negras e mais difíceis.

Mesmo assim, adoramos a cidade, a manhã, mesmo assim desejamos, acima de tudo, mais.


Michael Cunningham, in 'As Horas'

domingo, setembro 03, 2006

Pensamento da Semana


Acredito que se um homem vivesse a sua vida plenamente, desse forma a cada sentimento, expessão a cada pensamento, realidade a cada sonho, acredito que o mundo beneficiaria de um novo impulso de energia tão intenso que esqueceríamos todas as doenças da época medieval e regressaríamos ao ideal helénico, possivelmente até a algo mais depurado e mais rico do que o ideal helénico.

Mas o mais corajoso homem entre nós tem medo de si próprio.

A mutilação do selvagem sobrevive tragicamente na autonegação que nos corrompe a vida.

Somos castigados pelas nossas renúncias.

Cada impulso que tentamos estrangular germina no cérebro e envenena-nos.

O corpo peca uma vez, e acaba com o pecado, porque a acção é um modo de expurgação.

Nada mais permanece do que a lembrança de um prazer, ou o luxo de um remorso.

A única maneira de nos livrarmos de uma tentação é cedermos-lhe.

Se lhe resistirmos, a nossa alma adoece com o anseio das coisas que se proibiu, com o desejo daquilo que as suas monstruosas leis tornaram monstruoso e ilegal.

Já se disse que os grandes acontecimentos do mundo ocorrem no cérebro.

É também no cérebro, e apenas neste, que ocorrem os grandes pecados do mundo.


Oscar Wilde, in 'O Retrato de Dorian Gray'