domingo, agosto 27, 2006

Pensamento da Semana


Se o ciúme nasce do intenso amor, quem não sente ciúmes pela amada não é amante, ou ama de coração ligeiro, de modo que se sabe de amantes os quais, temendo que o seu amor se atenue, o alimentam procurando a todo o custo razões de ciúme.

Portanto o ciumento (que porém quer ou queria a amada casta e fiel) não quer nem pode pensá-la senão como digna de ciúme, e portanto culpada de traição, atiçando assim no sofrimento presente o prazer do amor ausente.

Até porque pensar em nós que possuímos a amada longe - bem sabendo que não é verdade - não nos pode tornar tão vivo o pensamento dela, do seu calor, dos seus rubores, do seu perfume, como o pensar que desses mesmos dons esteja afinal a gozar um Outro: enquanto da nossa ausência estamos seguros, da presença daquele inimigo estamos, se não certos, pelo menos não necessariamente inseguros.

O contacto amoroso, que o ciumento imagina, é o único modo em que pode representar-se com verosimilhança um conúbio de outrem que, se não indubitável, é pelo menos possível, enquanto o seu próprio é impossível.

Assim o ciumento não é capaz, nem tem vontade, de imaginar o oposto do que teme, aliás só pode obter o prazer ampliando a sua própria dor, e sofrer pelo ampliado prazer de que se sabe excluído.

Os prazeres do amor são males que se fazem desejar, onde coincidem a doçura e o martírio, e o amor é involuntária insânia, paraíso infernal e inferno celeste - em resumo, concórdia de ambicionados contrários, riso doloroso e friável diamante.


Umberto Eco, in 'A Ilha do Dia Antes'

domingo, agosto 20, 2006

Pensamento da Semana


O homem faz-se ou desfaz-se a si mesmo.

O homem controla as suas paixões, as suas emoções, o seu futuro.

Consegue-o canalizando os seus impulsos físicos para conseguir realizações espirituais.

Qualquer animal pode esbanjar a sua força realizando os impulsos físicos sempre que os sente.

Compete ao homem canalizá-los para fins mais produtivos que a satisfação dos impulsos.

Ninguém se tornou ilustre por fazer o que lhe apetecia.

Os homens insignificantes fazem o que querem - e tornam-se nuns Zés-Ninguém.

Os grandes submetem-se às leis que regem o sector em que são grandes.

O autodomínio é sempre recompensado com uma força que dá uma alegria interior inexprimível e silenciosa que se torna no tom dominante da vida.

O autodomínio é a qualidade que distingue os mais aptos para sobreviverem.

O mais importante atributo do homem como ser moral é a faculdade de autodomínio escreveu Herbert Spencer.

Nunca houve, nem pode haver, uma vida boa sem autodomínio; sem ele a vida é inconcebível.

A vitória mais importante e mais nobre do homem é a conquista de si mesmo.

Alfred Montapert, in "A Suprema Filosofia do Homem"

domingo, agosto 13, 2006

Pensamento da Semana


Antigamente todos os contos para crianças terminavam com a mesma frase, e foram felizes para sempre, isto depois de o Príncipe casar com a Princesa e de terem muitos filhos.

Na vida, é claro, nenhum enredo remata assim.

As Princesas casam com os guarda-costas, casam com os trapezistas, a vida continua, e os dois são infelizes até que se separam.

Anos mais tarde, como todos nós, morrem.

Só somos felizes, verdadeiramente felizes, quando é para sempre, mas só as crianças habitam esse tempo no qual todas as coisas duram para sempre.


José Eduardo Agualusa in 'O Vendedor de Passados'

sábado, agosto 05, 2006

Uma lição de Gestão Estratégica


Todos os dias, a formiga chegava cedinho à oficina e desatava a trabalhar.

Produzia e era feliz.

O gerente, o leão, estranhou que a formiga trabalhasse sem supervisão.

Se ela produzia tanto sem supervisão, não seria melhor supervisionada?

E contratou uma barata, que tinha muita experiência como supervisora e fazia belíssimos relatórios.

A primeira preocupação da barata foi a de estabelecer um horário para entrada e saída da formiga.

De seguida, a barata precisou de uma secretária para a ajudar a preparar os relatórios e contratou uma aranha que além do mais, organizava os arquivos e controlava as ligações telefónicas.

O leão ficou encantado com os relatórios da barata e pediu também gráficos com índices de produção e análise de tendências, que eram mostrados em reuniões específicas para o efeito.

Foi então que a barata comprou um computador e uma impressora laser e admitiu a mosca para gerir o departamento de informática.

A formiga de produtiva e feliz, passou a lamentar-se com todo aquele universo de papéis e reuniões que lhe consumiam o tempo!

O leão concluiu que era o momento de criar a função de gestor para a área onde a formiga operária, trabalhava.

O cargo foi dado a uma cigarra, cuja primeira medida foi comprar uma carpete e uma cadeira ortopédica para o seu gabinete.

A nova gestora, a cigarra, precisou ainda de computador e de uma assistente para ajudá-la na preparação de um plano estratégico de optimização do trabalho e no controlo do orçamento para a área onde trabalhava a formiga, que já não cantarolava mais e cada dia se mostrava mais enfadada.

Foi nessa altura que a cigarra, convenceu o gerente, o leão, da necessidade de fazer um estudo climático do ambiente.

Ao considerar as disponibilidades, o leão deu-se conta de que a Unidade em que a formiga trabalhava já não rendia como antes; e contratou a coruja, uma prestigiada consultora, muito famosa, para que fizesse um diagnóstico e sugerisse soluções.

A coruja permaneceu três meses nos escritórios e fez um extenso relatório, em vários volumes que concluía : "Há muita gente nesta empresa".

Adivinhem quem o leão começou por despedir?

A formiga, claro, porque "andava muito desmotivada e aborrecida".